Quando eu dizia, há dois anos atrás, que vinha morar em Bari, muitos perguntavam
espantados: "- Em Bali?! Por que tão longe?", ou então: "Bari...
Bariloche?". Não bastava dizer somente Bari, tinha que dar as coordenadas
geográficas: sul da Itália, no salto da bota, às margens do mar Adriático, com
vista pra Grécia e pra Albânia, só assim ia situando um pouco as pessoas. Hoje
estou aqui, em Bari, capital da Puglia, e finalmente decidi contar parte dessa
aventura. Este blog vai ser uma espécie de colcha de retalhos, se eu tiver tempo
pretendo falar de tudo que gosto e me interesso, mas quero principalmente falar
desta terra fantástica. Bem-vindos!

sábado, 25 de agosto de 2012

23 - PIZZICA, TARANTA, BREGOVIC…

Hoje a Puglia vive La Notte della Taranta. Na verdade o Salento vive em toda a sua intensidade a sua noite máxima, a noite da Pizzica. Certamente você que acabou de ler estas duas frases não entendeu nada, a menos que seja um iniciado no assunto. E deve estar se perguntando o que é a Notte della Taranta, e até mesmo o que é Taranta, o que é o Salento, o que é a Pizzica, e pode ser que, inclusive, um leitor de primeira viagem aqui do blog pode estar perguntando-se o que é a Puglia! Bom, esta última pergunta tem resposta por todo o blog, desde o pequeno texto de apresentação. Então vamos diretamente descobrir o que é o Salento. Acho legal entender o lugar pra depois entender suas manifestações culturais. Salento é o nome que se dá a uma região cultural do sul da Puglia. Prefiro dizer cultural porque o Salento é bem mais que um limite geográfico, trata-se do finzinho do “salto da bota”.  A península salentina fica entre o mar Jônio e o mar Adriático(ver o mapa abaixo), diz-se que é a fronteira entre o Oriente e o Ocidente, tanto que é possível ver o sol nascer no Adriático e depois, percorrendo 48 km, ver o pôr-do-sol no Jônio. Compreende toda a província de Lecce, o que faz com que todo leccese seja salentino, parte da província de Brindisi, e parte da província de Taranto, o que faz com que nem todos os brindisinos e tarantinos sejam salentinos, entenderam o conceito?  O Salento é uma identidade cultural, uma identidade que o diferencia de outras partes da Puglia, ali, pela sua particular localização geográfica,  desenvolveu-se uma mistura muito peculiar entre culturas e tradições muito antigas (gregas, turcas e balcânicas), que influenciou desde a arquitetura de típicas casinhas brancas de telhados planos, de clara influência grega, ou o florescimento no século XVII e XVIII, de um barroco com influência espanhola, denominado barroco leccese, até uma música única, de um ritmo frenético chamada Pizzica.


A Pizzica tem sua origem na crença popular de que a picada da tarântula “endemoniasse” a vítima, que geralmente eram jovens mulheres chamadas de Pizzicate (picadas), e só a dança frenética acompanhada pelo ritmo de tamburelli (pandeiros), mais a ajuda de São Paulo e São Donato, eram capazes de livrar a pobre moça daquele espírito maléfico que teria sido colocado dentro dela através da picada da tarântula. A própria Igreja alimentava esta crença, que unia sacro e profano, ao invés de mandar as moçoilas histéricas ao médico, porque na verdade é disso que estamos falando, de ataques de histeria que a crença popular e religiosa preferiam atribuir à aranha e ao demônio (não que alguma vez não tenha realmente havido uma picada de tarântula, deixemos claro). Ao fenômeno da pessoa picada pela tarântula se dava o nome de Tarantismo, e à Pizzica também se denominava Taranta. Só mais tarde transformou-se em dança folclórica, se bem que em algumas partes do Salento foi utilizada como “exorcismo” até a primeira metade do século XX. Existe muita bibliografia interessante sobre o tema, desde o ponto de vista musical, histórico, sociológico, antropológico e até médico.  Durante muitos anos a Pizzica, por estar associada ao tarantismo, foi considerada uma forma de atraso cultural do qual muitos se envergonhavam.

A partir do anos 70 a música e a dança foram redescobertas, e atualmente através de grupos que repropuseram o estilo e fizeram diferentes releituras, inclusive com a participação de músicos de fora da Itália como o baterista Stewart Copland, e o músico balcânico Goran Bregovic, a Pizzica renasce com mais força do que nunca, e principalmente entre o público jovem.
Esta noite o Salento não vai dormir, vai sim é dançar muito ao ritmo da Pizzica na Notte della Taranta,  o Festival que tem duração de uma semana,  e se desenvolve em praças de diversas cidades salentinas, culminando no Concertone (o Grande Concerto), que reúne na pequena cidade de Melpignano ao redor de 120 mil pessoas, e dezenas de músicos italianos e estrangeiros. Este ano o maestro convidado pra organizar este verdadeiro “ritual” é Goran Bregovic, que passou toda a semana na região acompanhando as manifestações, e que esta noite estará no palco de Melpignano regendo L’Orchestra della Notte della Taranta junto a sua Goran Bregović Wedding & Funeral Band, e outros grupos balcânicos e salentinos. E eu, se me animar a enfrentar as duas horas de carro que me separam de Melpignano, na estrada mega engarrafada que estão mostrando na TV, e mais os 40 graus de hoje, poderei contar um pouco do que vi.

A dopo!
Denise

Taí a programação do Concertone de hoje, alguém se anima?

Concertone
Orchestra “La Notte della Taranta” diretta dal Maestro Concertatore Goran Bregović
Con la partecipazione di
Goran Bregović Wedding & Funeral Band
Tonči Huljić & Madre Badessa Band
Nenad Mladenovic Orchestra dal Festival di Guča
Il Coro delle Mondine di Novi
La Banda Musicale di Racale

Assistente musicale del maestro Goran Bregović
Ninoslav Ademović

Assistenti all’orchestrazione
Mauro Durante e Claudio Prima

Também deixo este link com a entrevista de Bregovic sobre sua participação no Festival e o link da página oficial da Notte della Taranta:
http://www.lanottedellataranta.it/comunicazioni/news/item/77-bregovic-la-vostra-star-è-la-pizzica.html
http://www.lanottedellataranta.it/home.html
 

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